À MESA COM... A HISTÓRIA

 

No âmbito das comemorações do - <<Dia Mundial da Alimentação>> -, dia 16 de outubro, foi lançado aos alunos da turma do 6.º A do Agrupamento de Escolas de Almodôvar o desafio de realizarem vários trabalhos subordinados à temática da alimentação, nas diversas disciplinas. Na disciplina de História e Geografia de Portugal foram realizadas diferentes leituras sobre a alimentação típica alentejana, recaindo a opção sobre a influência árabe no receituário local/regional, descodificando em sala de aula este Património Cultural e Identitário, ao mesmo tempo que possibilitou aos alunos estabelecerem um vínculo com o passado.

Não obstante os alunos terem recolhido junto das suas famílias receitas típicas locais/regionais sem influência islâmica, como ‘Jantarinho de Grão’, ‘Bolo Chibo’, ‘Nógado Alentejano’, este processo permitiu aos alunos criar laços íntimos com o receituário alentejano, na tentativa de evitar a depreciação da herança dos povos que passaram e permaneceram por estas paragens e que determinou as receitas mais típicas do Alentejo, e de Almodôvar em particular, ainda para mais quando a vila de Almodôvar pretende ‘fazer caminho’ enquanto <<Vila Educadora>>.

Consequentemente, impôs-se encarar o seu património material e imaterial como documento, seguindo uma lógica de observação dirigida para desemaranhar e decompor esse documento que a vila e a região alentejana trazem em si, possibilitando a assimilação da diversidade do espaço, da cultura nele existente e a perceção do tempo através de uma educação para o olhar.

Como metodologia de trabalho, solicitou-se aos alunos do 6.o A que, junto das suas famílias, pesquisassem receitas típicas do Alentejo e do concelho de Almodôvar em particular, para que, depois em sala, se procurasse justificar o receituário como património que importa preservar e divulgar, em particular o de influência islâmica, enquanto opção de melhor orientar os alunos e justificada pela reconhecida presença e influência desse povo nesta região do país.

Deste modo, e em jeito de fundamentação das receitas que aqui se apresentarão, justifica-se uma breve incursão pelo passado.

Outrora, povoada e governada por vários povos, a Península Ibérica apresenta no seu portefólio uma mistura de culturas, costumes e conhecimentos que se materializaram das mais diversas maneiras, nomeadamente no prato a levar à mesa.

É após a morte do rei Vitiza, em 710, e das fragilidades militares e políticas daí resultantes, que várias tropas oriundas do norte de África cruzaram o estreito de Gibraltar, invadindo a Península Ibérica, de vitória em vitória, até implantarem um reino muçulmano, o “Al-Andalus”. Em consequência dessas investidas conseguiram domínio territorial, militar e também forte influência cultural.

Apesar de expulsos do território que atualmente é Portugal, com a conquista definitiva do Algarve, por D. Afonso III, em 1249, a herança árabe é muito presente, em especial a sul do Tejo, apesar da política de “terra arrasada” desenvolvida pela Reconquista Cristã.

Neste sentido, a identidade do Alentejo é extremamente rica em referências de origem árabe, nomeadamente na nomenclatura de regiões, cidades e aldeias, no traçado de ruelas e becos, na arquitetura, mas sobretudo uma presença cultural marcante que dominou o país durante vários séculos, mais difícil de “arrasar” e que impactou a região nos seus costumes e gastronomia.

Quando falamos da influência da cultura árabe na gastronomia, temos de referir a interferência direta na agricultura e na dieta mediterrânica. Esta é moderada e simples, com base em preparados que protegem os nutrientes, como as sopas, os cozidos, os ensopados e as caldeiradas.

A dieta mediterrânica como herança da cultura árabe

O elevado consumo de vegetais em detrimento do uso de alimentos de origem animal é uma característica da dieta mediterrânica que predomina em Portugal. Esta dieta define-se também por consumir os produtos, de preferência disponíveis localmente, frescos e da época.

O azeite é a fonte de gordura principal, há um consumo moderado de laticínios, o vinho é destinado apenas às refeições principais e a água é a bebida principal ao longo do dia. As ervas aromáticas são escolhidas para temperar, em detrimento do sal. Há um maior consumo de peixe e menor de carnes vermelhas. 

Esta herança deriva do facto de, durante séculos, a região peninsular de nome “Al-Andalus” ter sido ocupada por Fenícios, Gregos, Romanos, Árabes e por outros povos da região. No entanto, a influência da horta mediterrânica só foi impulsionada com a entrada da tecnologia de rega árabe.

Desde cedo a cultura árabe, ao nível alimentar, procurou explorar a produção sustentável de grandes quantidades de alimentos ao longo do ano. Com ela desenvolveram-se técnicas de conservação ancestrais como a salga, o fumeiro ou as conservas, e introduziram-se produtos agrícolas como as árvores de fruto, a oliveira e a videira.

A presença da cozinha árabe na gastronomia portuguesa está vincada na gastronomia alentejana, aliás foi a sua verdadeira matriz. As receitas tradicionais do Alentejo acarretam influências fortes e diretas da cultura árabe, excetuando todas as que estão diretamente ligadas ao consumo do porco.

Tal como em tantas outras cozinhas regionais, a alentejana, é composta por uma ampla variedade de produtos naturais que, pela riqueza dos seus temperos e confeção, lhe confere uma simplicidade de sabores únicos. As típicas açordas ou sopas alentejanas, que podem ser feitas com poejos ou coentros, são exemplos soberbos.

A escassez dos recursos e a simplicidade dos paladares estiveram na génese da «tharîd» = açorda, pão migado e mergulhado num caldo aromatizado e temperado com azeite. Com ela poderia comer-se qualquer coisa: carne, peixe ou vegetais acompanhavam normalmente a «tharîd», um prato simples, muito elogiado por Maomé e que constituía uma refeição completa, um luxo para alguns.

Açorda Alentejana

Nas mais variadas receitas de açorda existentes neste período, encontramos pão, carne, vegetais, laticínios e condimentos (sal, azeite, coentros, cebolas, funchos e açafrão) como elementos em comum. Costuma ser acompanhada por azeitonas, mas também por ovos cozidos e peixe frito miúdo (carapaus ou sardinhas), mais no inverno; enquanto no verão é acompanhada por fruta tardo-estival (uvas, figos e melão). O condimento clássico da açorda é o poejo, ou, na falta deste, os coentros, em qualquer dos casos associados ao alho.

Da açorda e da sopa passamos para receitas como o ensopado de borrego e a cabeça de borrego assada no forno (relembrando a proibição islâmica do porco), que será uma das principais heranças que aproximam ainda hoje o Alentejo do Norte de África muçulmano.

As migas, o escabeche de peixe, as sopas de beldroegas e de cardos, a couve recheada ou o cabrito à serrenha são outras das particularidades de influência islâmica. Temos o acepipe, a alcatra, as famosas migas ou até almôndegas, a regueifa e o xarope.

Não falta também o mel, nem as amêndoas. Entre a coletânea gastronómica encontra-se também a aletria, denominados canudos de alfitete, ou as filhós em calda, ambos bastante afamados nas mesas de Natal portuguesas.

No que respeita à doçaria, também reminiscência da cultura árabe, era altamente sofisticada. Temos o maçapão, bem como os bolinhos de amêndoa, numa congruência perfeita entre ovos, açúcar e especiarias. Sumos de frutas eram elaborados, macerando frutos no açúcar; geleias, frutas em compotas, xaropes, puré de maçã e pastas de nozes eram muito apreciados. Nos bolos, utilizavam a farinha, o ovo, o açúcar (por vezes mel), a canela, aos quais adicionavam muitas vezes pistachos, nozes, amêndoas e avelãs.

 

Bibliografia

https://run.unl.pt/bitstream/10362/20916/1/acorda.pdf   Acesso em 08/10/2021.

https://www.natgeo.pt/historia/2020/12/a-influencia-da-cultura-arabe-na-gastronomia-de-portugal   Acesso em 08/10/2021.

https://www.mundoportugues.pt/2016/05/10/63998/   Acesso em 08/10/2021.